O PSOL e o chamado de Chávez para formar a V Internacional

DEBATE | CST – Debates

Em dezembro, o presidente venezuelano Hugo Chávez convocou à conformação da V Internacional, com o objetivo estratégico, em suas palavras, de alcançar “a superação do capitalismo pelo socialismo”.

Pedro Fuentes, companheiro da direção do MES e do PSOL, divulgou nota, reproduzida pelo blog de Luciana Genro, aderindo ao chamado e propondo que o PSOL participe, no próximo mês de abril, da reunião em Caracas. Posição que justifica a partir da caracterização de sua corrente sobre o processo latino- americano e a situação mundial.

Avaliamos corretas duas definições apresentadas pro Pedro Fuentes: que existe uma “brutal crise do capitalismo” assim como um “vazio no terreno internacional”. Contudo, discordamos de sua conclusão, uma vez que coloca este chamado como uma estratégia privilegiada na construção de uma alternativa em resposta à profunda crise capitalista.

Que a esquerda socialista de diversos países esteja com disposição para retomar o debate sobre a organização internacional só pode ser bem-vindo! É pela importância da questão, que vemos fundamental intervir neste debate, colocando nossa visão, e chamando o PSOL a desenvolver uma discussão sobre a perspectiva, a estratégia e o programa dos socialistas e dos revolucionários face à revolução latino-americana. E destacar o que consideramos um erro do PSOL, caso vier a se somar à V Internacional chavista, com graves consequências para os trabalhadores e povos do continente.

Para ilustrar brevemente a gravidade desta definição, queremos tomar o exemplo que Chávez trouxe da China. O PCCH esteve presente na reunião de Caracas, considerada por Pedro Fuentes como uma presença que “sobrava”, conforme dito em seu texto. Independente se o PCCH vier ou não a conformar a V, é um fato que existe uma estreita relação de Chávez com a cúpula da ditadura capitalista chinesa, país que levou o presidente da Venezuela a declarar, admirado, que a China “é uma potência, mas não é um império”, e que continuará avançando… Como parte desta proximidade, ao fundar a Escola de Dirigentes do PSUV, Chávez reafirmou que o “núcleo fundacional da escola devia passar pela escola de formação de dirigentes do PCCH”.

Não nos surpreende então, o Seminário que o governo chinês está promovendo para o mês de maio de 2010 na cidade de Sozhou, denominado “A crise do capitalismo e sua solução: O Socialismo do Século XXI”, utilizando a mesma formulação de Chávez.

Foi Andrés Solis Rada, ex-ministro boliviano, este sim um nacionalista consequente, quem ao analisar o papel da China, denunciou a intervenção do gigante asiático na África para obter grandes excedentes econômicos baseados numa desenfreada procura de recursos naturais provocando severa contaminação ambiental. Afirma que China obtém petróleo, diamantes, cobre e madeiras da África, detêm o monopólio da construção civil e da indústria imobiliária em Camerum. Em Zâmbia, Nigéria, Ghana e Angola os trabalhadores são trazidos da China. Denuncia que o governo chinês provê armas à ditadura do Sudão e, no confronto entre Etiópia e Eritréia, vendeu armas aos dois lados.

Ao contrário da admiração que Chávez demonstra pelo governo ditatorial chinês, devemos explicar a nossa militância e denunciar publicamente, que na China a burocracia do PC restaurou com mão de ferro o capitalismo com a consigna “é glorioso ser rico”. Os ex-burocratas viraram trilionários a ponto de já integrarem a lista dos mais ricos do mundo da revista Forbes. O imperialismo mundial levou suas montadoras para o que é chamado internacionalmente como a “fábrica do mundo” e isto é possível porque na China os trabalhadores são semiescravos, não há direito a sindicalização, as greves são ferozmente reprimidas, a jornada de trabalho é extorsiva, as liberdades democráticas inexistem.

Queremos demonstrar com este texto que não é o governo ditatorial chinês quem sobra na V chavista, mas é o PSOL com certeza quem sobraria, a menos que abandonasse por completo seus objetivos democráticos, libertários, classistas e socialistas.

Uma nova interpretação da realidade latino-americana

Nosso continente viveu nos últimos dez anos uma realidade tumultuada. Profundos processos de ascenso revolucionário, com destaque para Venezuela, Bolívia e Equador, os quais provocaram mudanças na correlação de forças, na superestrutura política desses países e na relação com o imperialismo, obtendo, o movimento de massas, conquistas democráticas, políticas e, em menor grau, econômicas. Este processo gerou países e governos com elementos de independência política do imperialismo, o que significou uma importante vitória.

Passada uma década, é importante avaliar qual a situação do movimento de massas, a dinâmica do processo revolucionário, a política do imperialismo, e, sobretudo, como estão respondendo estes governos à crise mundial do sistema capitalista.

Não podemos menos que polemizar com a visão de Pedro Fuentes e a localização que outorga ao Brasil, uma vez que define que existirá uma polarização crescente, colocando como exemplo Honduras onde houve “de um lado a radicalização expressa por Zelaya, e de outro um importante e majoritário setor da burguesia nativa que segue submissa à política dos EUA. Isso é generalizado em toda a América Latina, no Brasil com o bloco PSDB/PPS/DEM”. Desse paralelo fica a pergunta: e onde está Lula? A resposta, seguindo o raciocínio do dirigente do MES é óbvia: estaria no outro pólo, o equivalente ao da “radicalização” de Zelaya, visto que não seria submisso à política dos EUA!

Esta nova versão do papel de Lula se complementa quando analisa a política do imperialismo, a do “porrete e a cenoura” que significa “agressão” e “negociação”. O porrete com as bases militares na Colômbia, o golpe em Honduras e a reativação da quarta frota. A “cenoura” com a “política do desgaste fortalecendo a burguesia clássica latino-americana sócia minoritária do império”. Esta análise novamente deixa de fora Lula da política imperialista para o continente. Sob nossa ótica, Lula cumpre um papel de primeira ordem na estratégia de recuperar o controle do “pátio traseiro” por parte de governo Obama.

O governo Lula e sua política são funcionais aos interesses do imperialismo norte-americano e mundial, inclusive com os “atritos” parciais que, por momentos, possa ter com algum aspecto da política dos EUA. É funcional, em momentos de declínio e crise da hegemonia norte-americana, pois, pelo peso econômico do Brasil, pela política de favorecimento do capital financeiro e das multinacionais que aplica Lula e com o apelo político que tem uma ex-liderança operária, hoje com altos índices de popularidade, ajuda não só comandando a missão imperialista na ocupação do Haiti, como negociando nos pontos altamente “perigosos” para os interesses imperialistas no continente. Este é o papel que cumpriu Lula na Bolívia, impondo critérios favoráveis à Petrobrás contra os interesses do povo boliviano nas negociações pelo preço do gás; ou quando, após a derrubada do presidente neoliberal Sanchez de Losada em 2003, a diplomacia brasileira correu ao país vizinho para facilitar a fuga de helicóptero do presidente derrubado pela mobilização popular. Também quando exigiu a presença dos fascistas da meia lua boliviana para ajudar na “negociação” entre ela e o governo, quando o movimento de massas tinha a força e a disposição de derrotar nas ruas à besta fascista. Cumpriu bem seu papel de “negociador” e “mediador” quando na reunião da UNASUL realizada em Bariloche conseguiu que não saísse nenhum repudio a instalação das bases imperialistas na Colômbia na declaração final. Ou defendendo a Odebrecht quando expulsa do Equador, pelo governo Correia, pelo não cumprimento dos contratos.

Os fatos provam que Lula é mais do que nunca submisso aos EUA. No Haiti após o terremoto, Lula envia mais soldados, na mesma linha do governo Obama, quem o trata como um verdadeiro subalterno, uma vez que a diplomacia brasileira teve que pedir permissão a Hilary Clinton para que os aviões do país pudessem pousar em Porto Príncipe visto que são os ianques os que controlam o espaço aéreo! Em Copenhague apesar de todo o discurso, fechou um acordo com Obama, China, Índia e África do Sul. Contra, estiveram Venezuela, Bolívia e Cuba, dentre outros. Inclusive em Honduras, o papel da diplomacia brasileira foi sempre procurando a negociação, nunca defendendo a reivindicação popular da Assembléia Constituinte, para evitar o único elemento qualitativo que poderia ter derrubado a ditadura: a mobilização independente do movimento de massas.

Se não fora assim temos que nos perguntar por que Lula foi chamado de “o cara” por Obama, e foi altamente aclamado como homem do ano pela imprensa imperialista como “El País”, “Le Monde” e jornais britânicos. Agora, o sistema financeiro internacional o premia em Davos como a personalidade do ano!

Nossa opinião é que, os fracassos imperialistas no Iraque, Afeganistão e Oriente Médio no sentido de retomar o controle da região impossibilitado pela resistência de massas, a brutal crise da economia capitalista mundial, as derrotas sofridas frente às lutas do movimento de massas como na Venezuela em 2002 ou em outros países como Bolívia e Equador, explicam o maior peso que a negociação tem na política imperialista nesta conjuntura, sem que tenha abandonado sua agressividade militarista. Por isso, seu agente preferencial é Lula, o “negociador” por excelência, e ninguém chama Uribe de “o cara” nem este é paparicado pela imprensa imperialista mundial.

A superestimação, na atual conjuntura, da ofensiva militarista do imperialismo tem por objetivo coesionar os povos em torno dos governos, justificando as políticas antipopulares implementadas como necessárias frente à iminente “agressão imperial”.

Frente à crise capitalista Chávez aplica receitas capitalistas

Ao contrário do que afirmava Chávez no começo da crise econômica mundial, que o país estava “blindado”, que o preço do petróleo podia continuar baixando que não iria afetar a economia do país, vemos, hoje, a Venezuela mergulhada numa importante crise.

Após onze anos de governo, quando a economia cresceu com os preços do petróleo nas alturas, e com o apoio incondicional da maioria do povo venezuelano, tendo derrotado sucessivas vezes as tentativas golpistas do imperialismo, a situação atual é outra.

A relação do governo com a população já vinha se deteriorando na medida em que não se resolviam os problemas de fundo que afetam o povo trabalhador. A crise energética, a crise na saúde pública, a inflação mais alta do continente, a falta de negociação salarial, a criminalização da luta social, a impunidade dos assassinatos de dirigentes camponeses e operários, o clima de insegurança frente ao aumento da delinquência, e o enriquecimento ostensivo da burocracia governamental, todos estes problemas estavam aumentando a desconfiança e a desilusão de setores do povo com o processo encabeçado por Chávez.

A prova de fogo veio, então, com a crise. Frente a ela, só existiam duas saídas: ou as receitas da burguesia de descarregar a crise nas costas dos trabalhadores, ou enfrentá-la defendendo os interesses da maioria explorada, fazendo com que a paguem os ricos. Não existe meio termo. Infelizmente, o Presidente Chávez optou claramente por um plano de ajuste capitalista que descarrega sobre os mais pobres o peso da crise, beneficiando e protegendo os interesses da burguesia venezuelana e mundial.

Após aumentar em 30 % o IVA (imposto sobre o valor agregado) penalizando o consumo dos setores mais pobres da população, e de haver estimulado o endividamento do país, acaba de aplicar mais uma medida clássica do receituário neoliberal ao desvalorizar a moeda em 100% (1) apoiada com entusiasmo pelo FMI. Aumentou de 10% a 30% os dólares que os exportadores poderão reter sem vender ao Banco Central venezuelano e decidiu outorgar aos empresários o dólar preferencial de 2,60 para o pagamento da dívida externa privada. Concretamente, reduz os salários quase a metade frente aos inevitáveis efeitos inflacionários; multiplica os lucros da burguesia exportadora que obterá o duplo de bolívares por dólar e reterão o triplo de dólares, e ademais lhe subsidia o pagamento das suas dívidas. Este é o significado mistificador que tem a expressão “Socialismo do século XXI”.

Esta política teve antecedentes já com a liberação dos preços dos alimentos em 2008, a flexibilização dos requisitos para as importações privadas e a proclamação da “aliança estratégica com a burguesia” convocada em um ato pelo “Reimpulso Produtivo” realizado em 11 de junho daquele ano, ato pelo qual passaram satisfeitos os mais representativos dirigentes econômicos do golpe de abril de 2002. Lembre-se ainda que, em dezembro de 2007, Chávez anistiou os golpistas de 2002.

Mas, curiosamente, Pedro Fuentes, que considera a crise econômica como um dos elementos determinantes da realidade mundial, não fala dela na hora de avaliar a política de Chávez, considerado por ele como um “consequente anti-imperialista”. E atribui à “débil resistência do movimento dos trabalhadores” a existência de “certo aumento relativo da mais-valia” ocultando que a política de Chávez enfraquece a resistência dos trabalhadores e favorece os empresários para que tenham o aumento da mais-valia.

A política chavista não é um “erro” de percurso, mas o resultado de uma trajetória e de uma política que tem fronteiras de classe, fronteiras sobre as quais Pedro Fuentes nunca faz referência. Prefere falar de um “campo anti-imperialista”, no qual estaria Chávez, a burguesia nacional, os trabalhadores, os camponeses e o povo. Campo dirigido pelo Presidente, ao qual devem se submeter os trabalhadores venezuelanos. A novidade é que agora, ademais dos trabalhadores venezuelanos, Fuentes chama à classe operária e os setores populares do continente a se subordinar, se integrando na V Internacional, o que significa, do nosso ponto de vista, um verdadeiro suicídio político.

O Estado burguês, a burocracia e o presidente Chávez

Os companheiros de Marea Socialista, coletivo do PSUV que toma parte do reagrupamento internacional ao qual pertence Pedro Fuentes, em uma importante nota editada em dezembro, definem corretamente que na Venezuela existe um Estado burguês, capitalista. “Este estado é um freio para o avanço da revolução e a burocracia que o dirige o defende porque é ele o oxigênio para manter seus privilégios. […] no Estado capitalista […] se mantêm íntegros os mecanismos para beneficiar as classes exploradoras e a seus gerentes dentro da estrutura estatal”.

Infelizmente, desta correta definição, os companheiros não tiraram todas as conclusões, uma vez que consideram Chávez por fora da estrutura do Estado burguês, como se a presidência do país não fosse um dos pilares fundamentais do Estado, o responsável por comandar nada menos que “o” pilar fundamental do Estado burguês: as suas forças armadas e sua polícia. Tanto eles como Fuentes atribuem os problemas da Venezuela a uma burocracia todo poderosa à qual Chávez não conseguiria controlar. Pelo qual se repetiria na Venezuela um fenômeno parecido ao de Lula com a corrupção e o mensalão, quando os governistas brasileiros argumentavam que o presidente “nada sabia” do que acontecia no seu próprio palácio! Remontando décadas atrás, o mesmo argumento era utilizado pela juventude peronista argentina quando atribuíam ao “entorno” do governo do presidente Perón a existência dos grupos fascistas, tirando toda responsabilidade do “general”, ocultando que era ele mesmo quem amparava os grupos paramilitares que atacavam os lutadores operários e populares. Na verdade, o texto do dirigente do MES atribui os avanços políticos acontecidos na Venezuela ao papel de Chávez, subestimando o papel das heróicas lutas do movimento operário e popular. Mas, na hora de definir a responsabilidade pelos problemas que golpeiam a vida do povo, tira do Presidente todo protagonismo para atribuir os retrocessos a uma nebulosa burocracia que o rodeia e o impede avançar.

Foi Trotsky, a partir da experiência da revolução chinesa em 1927, quem definiu que nos países coloniais a luta contra o imperialismo é inseparável das tarefas anticapitalistas, pelo qual para consolidar a independência política se faz necessário avançar em direção ao socialismo. Podemos dizer que esta definição foi popularizada por Che Guevara na sua famosa afirmação “Revolução socialista ou caricatura de Revolução”. Isto não significa negar a importância daqueles países que conquistam sua independência política do imperialismo ainda nos marcos do capitalismo, aos quais temos a obrigação de defender dos ataques imperialistas, da mesma forma que temos que defender todo país colonial ou semicolonial agredido por uma potência imperialista.

No entanto, os países independentes são estados burgueses, e seu estado tem a missão de manter a exploração e a submissão dos trabalhadores principalmente com o exército e a polícia. Pedro Fuentes tirou da categoria de “país independente” a contradição de classe que ela contém, reduzindo a contradição a do país dependente x imperialismo, anulando da análise e da política as classes sociais. Por tanto, para justificar sua política de subordinação da classe trabalhadora e dos socialistas ao governo burguês de Chávez, tem que introduzir elementos usados até a exaustão pelos governos populistas e pelo stalinismo para justificar sua subserviência à burguesia nacional, como esta da “impossibilidade” do governo nacionalista de romper o cerco da burocracia que o rodeia. Toda política da pequena-burguesia ou da burguesia nativa frente a esses estados, sempre leva à perda da independência, a uma sinuca de bico: para manter a independência há que avançar ao socialismo, mas não querem ir nessa direção.

Na Bolívia independente de Evo Morales, indígenas, camponeses, estudantes, e mineiros saíram às ruas, foram centenas de milhares nas estradas para lutar contra a direita fascista de Oriente que pretendia derrotar o processo revolucionário em curso e até dividir o país. Quem freou essa dinâmica? Quem chamou a negociar com a direita fascista? Na Bolívia, nessa oportunidade, faltou correlação de forças ou faltou uma política correta e consequente baseada na mobilização das massas? Sem dúvida, a política de Evo foi no sentido inverso das necessidades e da disposição das massas, mostrando na prática a limitação destes governos, que são independentes, mas, à frente de estados burgueses, compondo e conciliando com a burguesia.

Podemos tomar também como exemplo o governo do Irã, país que consideramos independente politicamente do imperialismo. Sua defesa como tal não pode significar o menor apoio à política do presidente Ahmadinejad, como por exemplo, de repressão às mobilizações democráticas da população e aos direitos das mulheres iranianas. Ou Fuentes também nos propõe fazer uma Internacional nos subordinando à direção burguesa independente de Ahmadinejad avalizando sua repressão ao movimento democrático e às lutas das mulheres?

Portanto, para os socialistas a política de classe continua sendo linha divisória fundamental, pois são os trabalhadores e o povo pobre com sua mobilização a única força social consequente, capaz de manter e aprofundar a independência nacional, atacando para isso as bases materiais do estado capitalista, da burguesia nativa e imperialista, avançando em direção ao socialismo.

O “Socialismo do Século XXI” não é socialismo! Assim como a burocracia stalinista deturpou o nome do socialismo e em seu nome cometeu as atrocidades mais brutais, hoje está se deturpando, mais uma vez, apresentando como socialismo uma política claramente capitalista, com elementos de independência política do imperialismo e com algumas nacionalizações parciais. Pois o fato que subjaz por baixo da denúncia e da fraseologia anticapitalista e esquerdista de Chávez é sua política de empresas mistas, de conciliação com os golpistas, de “aliança estratégica com a burguesia”, de ataques à autonomia e as lutas operárias, de criminalização das ações de luta do movimento de massas, de cooptação e de conformação de uma burocracia governamental amparada pelo projeto chavista.

Vejamos alguns exemplos desta política anti-operária e antisindical. Em 6 de março do ano passado, o presidente da República ameaçou aos trabalhadores em Guyana de utilizar os grupos de inteligência e enfrentar qualquer tentativa de greve nas empresas estatais. Já em 24 de março de 2007, durante o lançamento do PSUV, Chávez advertia que a autonomia sindical era um “veneno” herdado da IV República, que devia ser erradicada e que certamente não seria tolerada no PSUV. Em 2009, o vice presidente do PSUV, Muller Rojas, explicou que os sindicatos não tinham razão de existir em um estado socialista, pois a contradição capital-trabalho não mais existia.

Com esta orientação governamental, em 2009, 473 sindicalistas foram demitidos e 33 afetados com medidas judiciais por ter exercido o direito de greve. Atualmente, há mais de 200 dirigentes operários com medidas cautelares, como os das empresas Fundimeca, Sanitários Maracay, da indústria petroleira e das empresas básicas em Guyana. Rubén Gonzáles, Secretário-geral do Sindicato da empresa estatal Ferromineira do Orinoco, uma das principais metalúrgicas do país, e filiado ao PSUV, foi detido e processado por “instigar a delinquência, restrição à liberdade de trabalho, descumprimento do regime especial das zonas de segurança”, quando a verdadeira razão é que Rubén Gonzáles dirigiu a greve exigindo o cumprimento da convenção coletiva.

Na Venezuela, nos opomos de forma categórica à política chavista de, em nome do “Socialismo do Século XXI”, atacar os direitos da classe trabalhadora enquanto beneficia o sistema financeiro, a grande burguesia e a burocracia crescida ao seu amparo. Chamamos à classe trabalhadora a não aceitar nenhum sacrifício enquanto a Venezuela continue a ser um estado capitalista. Exigimos o pleno direito de greve e demais direitos dos trabalhadores. Todas as lutas da classe são legítimas por se desenvolver nos marcos de um estado capitalista, ainda que seja um país independente. Nossa política frente à crise, é que a paguem os ricos, os oligarcas, os grandes empresários, os latifundiários, as multinacionais. Opomo-nos aos sacrifícios que os chavistas, líderes de um estado burguês, pedem aos trabalhadores.

As diversas Internacionais e a V de Chávez

Funtes, no afã de justificar sua política de subordinação ao Estado burguês venezuelano e ao seu presidente, argumenta que a V Chavista tem que ter traços parecidos com a Primeira Internacional de Marx, que se constituiu sem um programa acabado. Impactado pelo discurso do presidente, que recapitulou a história das internacionais, passa a idéia que a criação da V seria uma continuidade das quatro primeiras experiências de organização internacional de trabalhadores.

Podemos concordar que o programa da Iª Internacional não foi “acabado”. Mas tinha um categórico conteúdo de classe e de defesa da independência de classe, expresso tanto no manifesto de lançamento da Associação Internacional de Trabalhadores (outubro 1864), quanto nas resoluções políticas e programáticas dos seis congressos e conferências realizados até 1872. Não somente fazia um chamado de caráter internacional aos trabalhadores, quanto fazia uma categórica denúncia das condições de vida da classe operária e da exploração capitalista, assim como as resoluções e propostas programáticas estreitamente vinculadas à defesa das condições de vida e de trabalho do proletariado, sempre na perspectiva da conquista do poder político pela classe trabalhadora. Também, ainda que participassem diferentes correntes e movimentos, entre eles democratas radicais e republicanos, e houvesse polêmicas e luta política, sobretudo entre marxistas e prudhonistas e entre marxistas e bakuninistas, nunca a I Internacional fez um chamado para que se integrassem nela governos à frente de Estados burgueses. Nem houve nenhuma experiência de participação de correntes operárias em governos burgueses naqueles anos. A experiência governamental do período foi a extraordinária experiência proletária da Comuna de Paris.

A participação em governos burgueses é um processo que só vai existir na II Internacional, tendo início com o millerandismo, na França. Sendo que na III Internacional “estalinizada” a aliança com a burguesia é transformada em uma estratégia com o nome de frente popular. Nunca é demais lembrar que as polêmicas programática, ideológicas e de concepção levaram à ruptura da I Internacional entre a ala de Marx e Engels e a anarquista, encabeçada por Bakunin.

A luta da classe operária pelo poder tem em torno de 160 anos. As diversas organizações internacionais de trabalhadores que surgiram neste mais de século e meio refletem as experiências, as lutas, as vitórias e as derrotas da classe trabalhadora e dos setores populares contra o capitalismo. Seus programas são expressões das diferentes etapas e experiências vividas. E novas internacionais foram criadas quando os programas e as organizações ficaram velhos para responder aos novos desafios.

Não por acaso Pedro Fuentes renuncia ao programa e à construção da IV Internacional. Esta quarta experiência de organização internacional de trabalhadores fundada por Trotsky em 1938 significou o fio de continuidade das lutas e experiências dos revolucionários socialistas, assim como sua atualização programática possibilitou enfrentar os novos fenômenos. Do ponto de vista da organização, após a morte de Trotsky, a IV foi e continua como um “movimento” – defensivo durante longos anos – de numerosos grupos e pequenos partidos pelo mundo, sem que exista até o presente uma única organização internacional que possa se reivindicar e que tenha autoridade como “a Quarta”. No entanto, do ponto de vista político e programático, os alicerces fundamentais da IV de Trotsky continuam tendo atualidade e vitalidade extraordinárias, sem desconsiderar as necessárias atualizações que muitos textos daquela época precisaram. O Programa da Quarta de Trotsky condensa a luta contra a burocracia stalinista e pela democracia operária, a luta contra o fascismo, a luta anti-imperialista e a luta anticapitalista, tendo, na teoria-programa da revolução permanente, a base científica indispensável para a teoria marxista revolucionária na atualidade. A restauração do capitalismo, sob as mãos da burocracia, no leste europeu e na China, comprova a vitalidade e os acertos das elaborações da IV Internacional e de Trotsky.

Por sua vez, os que assassinaram Trotsky têm continuidade hoje, entre outros, nos ditadores capitalistas chineses e no governo ditatorial, stalinista e repressor da Bielorrússia, todos esses elogiados por Chávez.

Assim, o PSOL tem que definir uma clara política de classe, se diferenciando das experiências stalinistas, pós-stalinistas, populistas e nacionalistas burguesas. Não tem que pairar nenhuma dúvida que a proposta socialista e libertária do PSOL é inconciliável com a do governo chinês. Pelo contrário, nosso partido se soma às vozes que, na China e no mundo, lutam para derrubar a ditadura capitalista que aplica métodos de semiescravidão na exploração dos trabalhadores, tanto naquele país, quanto nos países onde suas vorazes empresas estão instaladas.

Ao contrário do que prediz Pedro Fuentes, não rechaçamos a V chavista por defendermos uma internacional com um “programa acabado”. Pelo contrário, defendemos que a política internacional do nosso partido se articule em torno de alguns poucos pontos que a nosso entender são decisivos. São a luta intransigente pela independência de classe; o apoio às lutas dos trabalhadores e explorados em todos os países, sejam eles imperialistas, semicoloniais ou independentes; o apoio à democracia operária contra todo tipo de burocracia sindical ou estatal; a defesa da autonomia, da mobilização autônoma e de governos dos próprios trabalhadores e do povo; e a defesa consequente de todo país e governo agredido pelo imperialismo.

Com estes parâmetros, temos certeza que o partido saberá se localizar corretamente nos diversos confrontos da luta de classes. Sem perder o rumo, sem capitular aos governos burgueses dos países independentes, inclusive para melhor defendê-los das incursões imperialistas, contribuindo a construir a solidariedade entre os trabalhadores do mundo na perspectiva da sua luta pelo poder, pelo qual Marx e Engels conformaram há mais de um século e meio a Primeira Associação Internacional de Trabalhadores.

Do mesmo modo, defendemos que o PSOL participe e impulsione campanhas unitárias e internacionais de forma ampla. Um exemplo urgente do presente é uma atividade internacional em solidariedade aos trabalhadores do Haiti que a última reunião da Executiva do Partido negou-se a encaminhar.

Engana-se Fuentes quando acredita que uma organização política internacional dirigida por Chávez servirá para impulsionar o processo revolucionário no nosso continente e no mundo. Entre outros argumentos, porque a realidade da situação venezuelana nos indica que governo chavista e processo revolucionário não são equivalentes, mas radicalmente antagônicos. E cai num erro ainda mais grave ao definir que a V chavista servirá para “combater a burocratização dos processos em curso”. Se aliando aos burocratas e subordinado a eles é como o texto de Pedro Funtes indica o caminho para combater à burocratização! Pelo contrário, continuamos acreditando que não será nos unindo com governos burgueses, burocracias de Estado, dirigentes de partidos como o PRI mexicano, o Justicialismo argentino, ou outras expressões do nacionalismo burguês que derrotaremos as burocracias.

Como mais de 150 anos de luta da classe trabalhadora mundial o demonstram, será, a classe trabalhadora e o povo mobilizados em defesa de suas necessidades, a única força social capaz de sepultar as burocracias, eternas excrescências dos estados e dos regimes de privilégio.

(1) Em que pese a existência de dois tipos de câmbio e de estabelecido o preço de 2,60 BsF por dólares para produtos considerados prioritários pelo governo, a maioria das importações serão regidas pelo dólar a 4,30 e pelo mercado paralelo.