Carlos Nelson Coutinho

Resposta à Luciana Genro |

Querida Luciana,

Li com atenção a tua declaração de apoio a Marina e a resposta de nosso bravo Temer, onde sou citado. Quero dizer, antes de qualquer coisa, que não me considero "à esquerda" dos que defendem, em nosso Partido, o apoio a Marina, até porque estou de pleno acordo com os princípios estratégicos pelos quais este apoio é justificado, sobretudo em tua declaração.

Em outras palavras: concordo plenamente que devemos evitar o isolamento, devemos fazer alianças etc. etc. Se eu não acreditasse em tais princípios estratégicos, não teria militado por mais de vinte anos no velho PCB. Fico feliz em ver que você, mas também muitos outros companheiros compreenderam a validade geral destes princípios, que eu não hesitaria em chamar de leninistas.

Mas, como dizia o velho Lênin, a alma do marxismo é a análise concreta de situações concretas. Os meios para sair do isolamento — e a natureza das alianças que devem ser buscadas para que isso ocorra — dependem sempre de uma análise de cada caso concreto. A justeza do princípio não assegura automaticamente a sua correta aplicação. A história do PCB está repleta dessa combinação entre um princípio justo e uma aplicação desastrosa. Esta história demonstra como é difícil se manter no estreito fio da navalha entre um princípio correto (o de evitar o isolamento e de fazer alianças) e o mais deslavado oportunismo. A incapacidade de fazê-lo é uma das razões do declínio do PCB.

Um raciocínio semelhante vale para o PT. Demorei a entrar no PT, mesmo depois de minha saída do PCB, porque não concordava com a política isolacionista que marcou os primeiros anos do Partido. Aderi ao PT quando ele começou a compreender, embora ainda com limitações, os princípios que vc defende hoje. E o abandonei precisamente quando tais princípios, mal aplicados, levaram a alianças oportunistas, como aquelas que Lula fez para ser eleito e governar.

Entrei no PSOL temoroso de que o Partido, em sua maioria, optasse por uma política isolacionista. Até por isso, fiz a brincadeira, mencionada pelo Temer, de que eu estava à direita. Saúdo com alegria o fato de que lideranças tão expressivas como você, Robaina, Martiniano e tantos outros estejam defendendo uma política de alianças, no esforço para evitar o isolamento. Concordo inteiramente com a ideia de que o PSOL não deve ser um simpático bando de abnegados que dão um testemunho da sua coerência, mas sem que isso tenha a menor incidência na vida real de nosso povo.

Portanto, o que agora nos divide não são os princípios, mas sua ampliação a um caso concreto. O apoio a Marina significaria uma aliança com o PV, um partido liderado nacionalmente por figuras como Sirkis, Sarneysinho, Gabeira etc. Com que autoridade combateríamos a aliança do PT com o PMDB, com os Meireles da vida etc., e justificaríamos ao mesmo tempo a nossa com tais figuras, quase sempre aliados do DEM e do PSDB? E você acha que teríamos algum espaço na construção do programa da candidatura Marina? Teríamos ocasião de defender o socialismo e mostrar que o capitalismo não pode resolver os problemas ecológicos? No seio de tal aliança, não lastreada num programa claro, perderíamos nossa identidade — uma identidade ainda pouco definida e que, por isso, precisa ser fortalecida.

Não quero aqui discutir a figura de Marina. O que importa avaliar é o que ela e seu partido representam no cenário político de hoje. Como ela certamente não vai ser eleita teríamos o desprazer de ver nossos aliados desembarcando em massa na candidatura tucana no segundo turno. E se, por milagre, ela o fosse, teríamos certamente desprazeres ainda maiores, ao ver como ela comporia o seu governo. Por outro lado, ao contrário do que você supõe, não creio que este apoio fortaleceria o nosso Partido. Nisso, como em tantas outras coisas, faço minhas as palavras do Temer.

Por tudo isso, fui e continuo favorável à candidatura da Heloísa. Entre outras coisas porque o risco de que ela não seja eleita para o Senado — um risco real — seria, caso concretizado, uma catástrofe para nós. Não sendo Heloísa a candidata, continuo defendendo uma candidatura própria. Pouco importa que este candidato seja Plínio, Temer, Chico Alencar ou… você. (Uma bela candidata!) Entre outras coisas, isso manteria a possibilidade de uma aliança com o PSTU e o atual PCB, que certamente estão à minha esquerda, mas com os quais partilho o empenho na luta por uma nova sociedade.

Bem, querida, dixi et salvavi animam meam. Desculpe por ter escrito um e-mail tão grande. É que, tal como se dá com vc, o tema me é muito caro. A correta resolução desta questão me parece condição para a sobrevivência do PSOL.

Saudades.
Um beijo grande,
Carlos Nelson