Honduras: um debate a se fazer no PSOL
Para ser consequente no apoio à resistência, temos um debate a fazer no PSOL | Anna Miragem, militante do PSOL/RS e Diego Vitello, Executiva PSOL/RS.
Em 21 de setembro, Zelaya retornou a Honduras e sua resistência desde a Embaixada do Brasil fortaleceu a resistência popular. A partir de seu retorno, foram denunciadas numerosas mortes pelas forças de repressão, centenas foram feridas e tantas outras detidas num campo de futebol. A Embaixada brasileira foi atacada com gases venenosos. Foi decretado o estado de sítio, suprimindo as garantias constitucionais, e fechados os dois únicos meios de comunicação antigolpistas, o canal 36 e a Rádio Globo. Frente a esses fatos, a resistência se fortaleceu nos bairros, enfrentando a polícia e o exército.
O regime golpista com sua repressão procura impedir um levante popular massivo e ganhar tempo para legitimar suas eleições fraudulentas convocadas para novembro. Contudo, sua política não atingiu seu objetivo, pois, ao decretar o estado de sítio, não só não amedrontou o povo como dividiu a burguesia, que, através do parlamento, se manifestou contra tal medida.
As ações repressivas, que se mantiveram, apesar da promessa de suspensão do estado de sítio, são a base para Micheletti impor seu governo ilegítimo. Mas, não exclusiva. É evidente que o golpe tem apoio nas multinacionais, na burguesia oligárquica e em parte do imperialismo, por exemplo, no Partido Republicano. E há, ainda, um outro fator importante para sua manutenção: o chamado a um “acordo” por parte da OEA, política prioritária dos governos latino-americanos. O acordo, com base no documento do Presidente da Costa Rica, Jose Árias, prevê um pacto com os golpistas, garantindo sua impunidade e a não convocação da Assembléia Constituinte, exigida pelo povo hondurenho. Para a permanência da situação, também colabora o fato de que o imperialismo ianque condena o golpe, mas, de fato, nunca deixou de ter relações com seus executores. Na última reunião da OEA, o representante norte-americano, Lewis Amselem, afirmou que o regresso de Zelaya tinha sido “irresponsável”. Essa posição dos governos e da OEA, condicionando sua volta ao “Acordo de San José” leva, cada vez mais, Zelaya a ser parte da negociação. E mais: os 03 pontos levantados por ele, nas notícias deste final de semana, não correspondem ao que as massas estão defendendo nas ruas, sob forte repressão, sendo presa e sacrificando a própria vida.
Só a mobilização popular pode impor uma saída verdadeiramente democráticaTodas as ações concretas para pressionar a saída dos golpistas são necessárias neste momento em que é preciso forjar a máxima unidade de ação para derrotar o golpe ditatorial. Foi fundamental a abertura da Embaixada brasileira em Tegucigalpa para alojar Zelaya, fato que fortaleceu a resistência popular. Rechaçamos a opinião de todos, da base governista ou da mal chamada “oposição”, que criticam esta atitude, evidenciando seu servilismo sem limites aos interesses mais reacionários do continente. Igualmente, denunciamos o cerco à Embaixada brasileira. Exigimos que seja respeitado o “pequeno território” brasileiro no país centro-americano.
A partir disso, é dever dos socialistas e revolucionários, do Brasil e do continente, analisar os cenários apresentados e qual o papel que podemos cumprir para ajudar a nossos irmãos hondurenhos a garantir a derrota completa do golpismo reacionário e avançar em sua luta por mudanças sociais.
Do nosso ponto de vista, continuamos considerando que a única saída favorável ao povo hondurenho passa por continuar, massificar e fortalecer a mobilização até conseguir a queda de Micheletti, a restituição de Zelaya sem condicionantes, a punição dos golpistas, o boicote às eleições de novembro, a liberdade aos presos e a convocação da Assembléia Constituinte, livre e soberana. A queda de Micheletti pela ação das massas significaria um colossal triunfo do movimento de massas hondurenho e latino-americano. Abriria melhores condições para continuar a luta pelas reivindicações dos trabalhadores e do povo, em direção a um governo dos próprios trabalhadores e setores populares, rompendo com o domínio das multinacionais sobre aquele pequeno país.
A experiência do povo hondurenho, que avança dia a dia, terá novas tarefas e desafios a enfrentar. Derrotar os golpistas significa, da mesma forma, rejeitar seu Congresso e sua Corte Suprema, cúmplices no golpe. Poderá fortalecer a mobilização, estimular a organização de comitês de autodefesa e, importante, impulsionar o chamado aos policiais e soldados a que desobedeçam a seus comandantes para apoiar a resistência popular.
Corresponde a nós brasileiros, e aos povos do continente, apoiar esta perspectiva de rebelião popular hondurenha, assim como repudiar a tentativa dos Estados Unidos, da OEA e de todos aqueles que apostam na imposição do pacto com os golpistas e condicionantes ao povo de Honduras.A restituição do Presidente eleito, Zelaya, a punição aos golpistas e a convocatória a uma Assembléia Constituinte serão conquistas da mobilização operária e popular e não das negociações que só almejam desmontar o processo de lutas para "repor" a falsa democracia da oligarquia e das multinacionais.
O papel de Lula e as perspectivas
Até este momento, Lula e seu chanceler vêm adotando a política de condenação ao golpe, apoio ao retorno de Zelaya oferecendo a Embaixada para tal fim e de rejeição ao pretenso “prazo” de 10 dias, colocado pelos golpistas para definir o status do presidente deposto. Tais ações ajudaram, objetivamente, a resistência, visto que a entrada e permanência de Zelaya foi um primeiro pequeno triunfo da mobilização determinada do povo.
É lógico, assim, que o povo hondurenho veja em Lula um aliado na sua luta contra o golpe e por suas reivindicações democráticas. O que não é lógico, e propomos o debate a respeito, é que se faça uma fervorosa defesa do governo brasileiro, como propõe a nota de Roberto Robaina, Presidente do PSOL/RS, postada em 29/09. No seu texto, chega a separar Lula dos corruptos e burgueses de sua base de apoio, quando o PSOL vem, há anos, denunciando o caráter burguês e corrupto do atual governo e de suas alianças, considerando que quem comanda o processo de corrupção no país é o próprio governo de Lula. Que um dos articuladores contra o apoio brasileiro ao retorno de Zelaya é Sarney, o principal aliado de Lula no Congresso, corrupto odiado pela população, mas, salvo pelo próprio Presidente à custa da desmoralização de seu próprio partido, o PT. É um erro levar à militância a considerar que Lula está trabalhando em favor dos interesses nacionais e colaborando com o levante democrático do povo hondurenho. Mais ainda: o PSOL caracteriza que, na América Latina, Lula tem sido o mais fiel aliado do imperialismo norte-americano, antes com Bush e, agora, com Obama. Um governo servil aos interesses das multinacionais e do sistema financeiro. Alertamos que a referida nota leva à conclusão, errada a nosso ver, que o governo Lula tem um “duplo caráter”, reacionário por um lado, e “progressista” por outro.
Os golpistas são, hoje, o inimigo fundamental a enfrentar, e, para derrubá-los, é necessária uma ampla unidade na ação. Mas, é preciso ter claro que as ações e declarações do governo brasileiro estão limitadas a sua política, a mesma de Obama, da burguesia e das multinacionais que criticam as medidas de Micheletti: a de evitar que a mobilização derrube o ditador, e a buscar uma saída pactuada. Não está em seus planos que seja um levante do povo hondurenho a conquistar suas reivindicações democráticas, políticas e econômicas. A perspectiva, do ponto de vista dos planos dos governos que atuam pelo pacto com Micheletti, não é o respeito incondicional aos direitos da população de Honduras.
Lula utilizará seu prestígio para canalizar o movimento em direção à negociação com os golpistas, a que retorne a “normalidade democrática”, sem colocar em perigo o regime político e o domínio da oligarquia e das multinacionais. Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, não se cansa de repetir que a saída é a negociação, mas, que infelizmente os golpistas não a querem.
A diplomacia internacional brasileira, que almeja um cargo no Conselho de Segurança da ONU, não é exemplo de diplomacia para a esquerda. Sua covardia, frente à pressão reacionária da mídia e da oposição de direita brasileiras, a fez declarar que já havia negado um avião para transladar Zelaya a Honduras. A posição do companheiro Robaina, ao titubear frente ao verdadeiro papel do governo brasileiro, desarma o movimento, já que, de fato, significa um chamado a confiar na política externa brasileira, passando a idéia que Lula é um aliado intransigente da luta para avançar nas reivindicações democráticas populares. O governo Lula, que defende e representa a falsa democracia dos ricos no Brasil, que criminaliza os movimentos sociais, que encabeça os esquemas de corrupção, não é a garantia de democracia para Honduras.
Defender a unidade na ação não significa depositar confiança em eventuais aliados pontuais. Com Lula, assim como com outros governos que se manifestaram contra o golpe, defendemos sem sectarismo a restituição de Zelaya. Mas o centro da política dos socialistas e dos revolucionários é fortalecer a resistência, apostando toda nossa força no desenvolvimento da mobilização e estimulando cada vez mais a ação independente das massas. Disso, sem dúvida, todos os governantes, contra ou a favor do golpe, tem pavor. Porto Alegre, 03/10/2009.
Anna Miragem, militante do PSOL/RS e Diego Vitello, Executiva PSOL/RS.
(Corrente Socialista dos Trabalhadores – CST)