Bolívia: As multinacionais e as nacionalizações de Evo Morales

| CST – UIT

O novo escândalo de corrupção revelado pela denúncia do contralmirante Gildo Ângulo, até semana passada presidente da empresa estatizada YPFB Transporte (ex Transredes) dependente de YPFB, sobre a compra da Transredes, mostra mais uma vez que a convivência como “sócia” das multinacionais somente pode funcionar prejudicando às maiorias populares da Bolívia.

A suposta nacionalização da Transredes foi em realidade a compra de suas ações perdoando-lhe a dívida de impostos não pagos e outras dívidas por 200 milhões de dólares. A multinacional Shell e sócios da Enron receberam 240 milhões de dólares em uma negociação totalmente fraudulenta. Esta é a denuncia de Gildo Ângulo, quem foi demitido de seu cargo 72 horas depois de ter feito esta denuncia.

Denunciou que quando YPFB negociou com Transredes para a transferência de ações, “havia outra obrigação pelo não cumprimento de investimentos de 58 milhões de dólares.” E agregou: quando assumi a presidência de YPFB Transporte, em 12 de maio de 2009, soube de um passivo da empresa de 50 milhões de dólares por 29 processos. A prova é que há pouco foram congeladas as contas de nossa empresa. Os principais executivos que estavam o ocultaram e só agora o descobrimos. Outra dívida maior foi causada pela multa por causa de um derramamento de 29 mil barris de petróleo no Desaguadero, em 30 de janeiro de 2000. Durante meses estive investigando (…). O impacto econômico terá repercussões nos próximos 20 anos, e foi avaliado em 100 milhões de dólares que deveriam ter sido deduzidos dos estrangeiros antes de comprar o pacote acionário.” Afirmou que as dívidas deveriam ter sido assumidas pelos sócios de Enron e Shell e as AFP (Fundos de Pensão) em relação à compra do pacote acionário. “Tirar dinheiro do caixa, como está sendo feito, é um crime”.

O presidente de YPFB Carlos Villegas, responsável da transação, se defendeu afirmando que Transredes pretendia cobrar 1 mil milhões de dólares e que então, era bom negócio pagar o que foi pago e perdoar a dívida.
É incrível que depois de todo o que aconteceu no país, o presidente de YPFB designado pelo governo diga tantas besteiras!

Villegas afirmou que Transredes antes da nacionalização ganhava 300 milhões de dólares por ano. Depois, graças à capitalização de Sanchez de Losada esses lucros passaram à Enron, sem que tivessem que colocar praticamente nada. Não fizeram nenhum gasoduto novo. Inventaram “investimentos” falsos com a cumplicidade do governo de Sanchez de Losada. Assim, lucrando 300 milhões por ano, embolsaram mais de 3 mil milhões de dólares, parte do gigantesco saque ao povo boliviano. E agora, Carlos Villegas lhes perdoa as dívidas de impostos para não ter que pagarem-lhes outros mil milhões. Com esse argumento pueril presenteou às empresas imperialistas com 240 milhões de dólares adicionais a todo o que já saquearam!

Com esse dinheiro se poderia, por exemplo, instalar redes de água e gás, saneamento e o hospital que reclama há anos a heróica cidade de El Alto, criando ademais muitos postos de trabalho, e ainda sobraria dinheiro.
Imperícia absoluta, ingenuidade ou simples corrupção? O governo que fala em “controle Social” que figura na nova Constituição, não informou o povo de tamanha exigência das multinacionais!

Fracassou a nacionalização?

Agora pretendem se aproveitar disto os que sempre foram a favor das multinacionais, como por ex. o ex. ministro da Fazenda Dante Pino, do governo Sanchez de Losada, acusado por cúmplice do massacre de outubro de 2003, e também toda a direita, para concluir que “fracassou a nacionalização” e assim atacar essa proposta pela qual muito correu muito sangue do povo.

Mas, não há nenhum fracasso da nacionalização. O que acontece é precisamente que essa nacionalização não foi realizada. O próprio decreto da nacionalização de 2006 estabelecia a “sociedade” com as multinacionais. A história latino-americana demonstrou mais de mil vezes que é uma “sociedade” quase impossível, entre os povos e as multinacionais. Mas, desse decreto se retrocedeu e provocou por ex. a renúncia do ex ministro Andrés Solis Rada.
Em dezembro de 2006 foram assinados 44 contratos, referendados pelo Congresso com total apoio da direita. E agora os defensores das multinacionais foram os que referendaram os contratos de “nacionalização” junto ao MAS! Por acaso haviam recuperado seu patriotismo os entregadores do neoliberalismo? Ou foi um reacomodamento das multinacionais e seus agentes?

Infelizmente, o que aconteceu em Transredes é parte de um retrocesso geral no próprio decreto de nacionalização. YPFB ficou sem orçamento e amarrada como uma empresa que não pode administrar os hidrocarbonetos, que não produz, que deixa que continuem sendo as petroleiras estrangeiras as que controlam o negócio. Ou seja, o saque continua, inclusive não realizam os investimentos comprometidos, levando a um retrocesso na produção.
As multinacionais voltaram a montar sua rede de saque e corrupção, onde estão os que sempre estiveram, e se associando agora com funcionários do governo, como o mostram os fatos de Transredes e as negociatas de Santos Ramirez.

Mas corrupção não é somente o resultado de funcionários corruptos, mas provêm em primeiro lugar das próprias multinacionais que são as que corrompem, e de uma política de “sociedade” com elas. Esta sociedade com as multinacionais é o que levou a este resultado. E não poderia levar a outro resultado melhor. Com o resultado que os funcionários decentes que denunciam, são esmagados, perseguidos ou demitidos, como já aconteceu com Andrés Soliz Rada, Enrique Mariaca, Victor Hugo Sainz e agora Gildo Angulo.

E quem substituiu Gildo Ângulo na presidência de YPFB Transporte? O economista Cyro Camacho Chávez, vinculado ao período mais sinistro da entrega neoliberal, quando Carlos Miranda era superintendente de Hidrocarbonetos e Sanchez de Losada presidente. Assim voltam a ser montadas as redes de entrega e corrupção das multinacionais e são expulsos os “inconvenientes” que defendem o patrimônio nacional.
‘“Não temos dinheiro para investimentos” gritam os defensores das multinacionais. Mas, e isso que foi pago não serviria para investir? Sendo que as multinacionais também não investem quase nada, quando em toda a história boliviana elas levaram já varias vezes o que “investiram”.

Expropriá-las sem pagar nada, expulsá-las do país e colocar na cadeia os executivos até que devolvam o que roubaram da Bolívia, isto é o que deveria ser feito. Isto é o que deve ser feito. Porque é a única possibilidade que, pela primeira vez em cinco séculos, as riquezas naturais fiquem na Bolívia e sirvam para a maioria da população, para que haja trabalho e termine a miséria. Isso era o que gritava nas ruas o povo nas sangrentas e heróicas jornadas de 2003.
O povo boliviano não foi derrotado, a Agenda de Outubro, que o governo abandonou em troca da sociedade com as multinacionais, continua sendo uma necessidade e possibilidade de luta.