Carta aberta à direção e à militância do PSOL
Aos Diretórios Nacional, Estaduais e Municipais do PSOL
Aos militantes e filiados ao Partido
Aos agrupamentos e tendências que compuseram os 44% no último congresso
A reunião do Diretório Nacional do PSOL que ocorreu no dia 15 de abril, significou um enorme retrocesso político no partido, visto que, pela primeira vez em 20 anos, o PSOL não tem uma posição categórica contra uma proposta de ajuste fiscal apresentada por um governo nem apresenta o chamado à mobilização para enfrentar esse ataque contra a classe trabalhadora. A resolução política aprovada foi o texto do PTL (Primavera, Revolução Solidária, Insurgência, Resistência e Subverta), onde reafirma que o PSOL integra os Ministérios, participa da base do governo Lula-Alckmin no Congresso Nacional e ocupa uma das vice-lideranças e apoia as supostas medidas progressivas do governo. Apesar do texto fazer algumas críticas ao projeto de arcabouço fiscal, não define que o PSOL é contra a proposta. Por isso, a resolução aprovada acaba respaldando tal medida capitalista que limita os investimentos sociais. No dia 24 de abril, a bancada da federação PSOL-REDE decide que: “vai lutar por mudanças estruturais na proposta, que assegurem direitos”, ou seja, a bancada vai disputar o projeto de arcabouço fiscal, propondo emendas.
Pela primeira vez, a direção do PSOL se nega a combater um ajuste capitalista
Essa é a primeira vez que o PSOL não se opõe a um projeto de ajuste fiscal capitalista, o que foi uma marca desde sua fundação. Mesmo em 2015, quando a maioria de sua direção já integrava o campo lulista, o Diretório Nacional não titubeou e votou contra o ajuste do governo Dilma e de seu ministro, Joaquim Levy. Todo o PSOL denunciou o caráter desse ajuste, que retirava direitos da classe trabalhadora. Em 2016, mesmo diante do impeachment contra a Dilma, o PSOL denunciou que estava em curso um ajuste contra a classe trabalhadora e que era necessário derrotá-lo. Fala de Luís Araújo, então presidente do PSOL, em 2016, durante o ato na Paulista contra o impeachment: “primeiro, para enfrentar a crise política e econômica é necessário enfrentar o ajuste fiscal que desmotiva os trabalhadores a lutar para garantir as nossas conquistas…. meu partido faz oposição de esquerda ao governo Dilma…”. Ou seja, mesmo diante da ameaça do impeachment o PSOL não vacilou sobre a luta contra o ajuste, fez um chamado a derrotar o ajuste que a Dilma estava promovendo contra a classe trabalhadora.
Em dezembro de 2016, durante o governo de Michel Temer, o PSOL chamou a mobilização contra os efeitos da PEC 55/2016 (antiga PEC 241) e outros retrocessos impostos pelo governo de Michel Temer. A chamada PEC da morte ou PEC dos gastos, que segue em vigor até hoje, é a principal responsável pelo estrangulamento dos serviços públicos. Essa mesma PEC foi denunciada pelo PSOL na greve geral e no ocupa DF. Foi denunciada na campanha de Boulos/Guajajara, em 2018, quando Lula estava preso e a extrema direita bolsonarista ganhava força. Agora mesmo, em 2022, a campanha a deputado federal de Guilherme Boulos realizou essa denuncia, assim como o próprio Lula, que, no discurso de posse, em janeiro de 2023, afirmou que o teto de gastos era uma “estupidez” e dizia: “vamos revogar”.
Infelizmente o governo Lula-Alckmin prepara um novo ajuste fiscal contra a classe trabalhadora
O que vemos hoje, com a atual proposta de arcabouço fiscal, é a manutenção do teto de gastos do governo Temer, projeto este que o PSOL enfrentou e que o próprio Lula prometeu revogar. O centro da proposta de arcabouço fiscal é o superávit (economia que o país tem que fazer para pagar a dívida aos banqueiros), o que vai significar menos verbas para as áreas sociais e até para as atuais medidas restritas que o governo está implementando, como vêm denunciando a Auditoria Cidadã da Dívida e outros setores. O companheiro David Deccache (assessor econômico da bancada federal do PSOL) vem explicando bastante os problemas desse ajuste. Não há motivos para não sermos contra essa proposta.
Portanto, a questão central é a essência do projeto, que deve ser enfrentado. Entrar na lógica de disputar esse projeto, propondo emenda, para que fique “menos” pior é entrar no jogo do governo, quando o que necessitamos é derrotar esse projeto e exigir que Lula cumpra sua promessa de campanha de revogar o teto de gastos. O que precisamos é desbolsonarizar o país, o que significa lutar para revogar o teto de gastos, as contrarreformas bolsonaristas, como a sindical e a trabalhista, que retiram direitos da classe trabalhadora, e outros ataques do governo, como o pacote para a iniciativa privada, por meio das PPP’s, mais uma vez a lógica dos interesses privatistas. Esse deveria ser o papel do PSOL, não o de sustentar um governo que descumpre uma promessa de campanha e lança mão de um ataque contra a nossa classe.
O debate de fundo é o que o PSOL compõe o governo de Lula/Alckmin e está amarrado à governabilidade
É fundamental irmos à raiz dos problemas, pois o debate de fundo é que o PSOL deixou de ser um partido independente, na medida em que participa com cargos no governo Lula-Alckmin. Por isso, o PSOL vacila diante das propostas de ataques do governo Lula, em vez de chamar a mobilização contra as propostas que retiram direitos. Ao assumir cargos no governo, o PSOL assume compromisso com esse governo da frente ampla, de colaboração com empresários e representantes dos patrões. Lula-Alckmin governam junto com partidos de direita e até da extrema direita, como é o caso do União Brasil e de golpistas, como Mucio. Ingressando no governo, o PSOL lhe dá um verniz de esquerda sem mudar seu conteúdo, que é o da conciliação de classes; um governo que lança mão de uma proposta de ajuste fiscal para engessar os gastos nos serviços públicos. É preciso mudar esse rumo, reverter a linha votada no último diretório nacional. Por isso, apelamos a todos os organismos partidários para corrigir esse erro. Propomos:
– Que os diretórios estaduais e municipais se reúnam para pautar a deliberação do DN e que isso ocorra precedido de plenárias de base em todos os municípios.
– Que o PSOL mantenha o posicionamento histórico de combate e voto contrário a todo e qualquer ajuste fiscal capitalista, seja de quem for.
O Campo Semente é quem garante a maioria
Toda essa linha majoritária é sustentada por correntes como a Resistência, que argumenta que não há correlação de forças para ter uma política diferente. Em 2016, quando a Resistência, que então se chamava MAIS, ingressou no PSOL , sua carta de fundação dizia: “Rejeitamos qualquer tentativa de reeditar, trinta anos depois, a experiência reformista do PT, como faz hoje a direção majoritária do PSOL. A redução da luta de classes à luta parlamentar, as alianças com os setores supostamente progressivos da burguesia nacional”. Em 2018, já após o impeachment e a prisão de Lula e no contexto da vitória de Bolsonaro, estiveram com Boulos e Guajajara com argumentos parecidos. Agora, a Resistência joga na lata do lixo da história tudo o que escreveu, sendo sugado pelas formulações da direção majoritária do PSOL, que eles tanto criticavam na sua carta de fundação.
Correntes como Insurgência e Subverta também sustentam essa linha. Não por acaso, votaram no regimento antidemocrático que vai nortear o próximo Congresso do PSOL, pois o método burocrático está conectado com a política oportunista. Apesar de essas forças sempre terem centrado suas ações no PSOL falando da democracia interna, agora mudam completamente por razões políticas.
Nós queremos dialogar com o conjunto dos camaradas do Campo Semente. Apelamos que vocês, em cada estado, revejam essa equivocada posição nacional no DN. Propomos:
– Retirem seu apoio ao campo majoritário. Sem os seus votos, eles não têm maioria no Diretório Nacional.
– Revejam esse regimento autoritário que legaliza fraudes e amordaça as menores tendências.
– Votem contra o arcabouço fiscal e retirem o apoio à ocupação de cargos no governo e na vice-liderança do governo.
Camaradas do MES, Fortalecer, COMUNA e APS: vamos construir uma oposição consequente
Infelizmente, MÊS, Fortalecer, COMUNA e APS não vão a fundo nas diferenças e no combate à direção majoritária. Por um lado, corretamente criticam o arcabouço fiscal, mas não levam essa luta até às últimas consequências, pois não propõem que o PSOL saia do governo e entregue seus cargos, além de seguirem apoiando as chamadas “medidas progressivas”. Dessa forma, não constroem uma oposição consequente à direção majoritária nem lutam a fundo por um PSOL independente.
A responsabilidade maior é dos companheiros do MÊS, que contam com importantes lideranças, como as deputadas federais, Sâmia e Fernanda, e com Luciana Genro, atual deputada estadual. O MÊS, no RS, estado onde dirigem o PSOL, em vez de aplicarem uma política classista, tem como eixo buscar compor uma aliança com o PT para disputar a Prefeitura de Porto Alegre em 2024.
Apelamos aos camaradas do MÊS, Fortalecer, COMUNA e APS, com os quais realizamos inúmeras batalhas em comum e com quem compusemos o antigo bloco dos 44%, para que reflitam e mudem de posição. Propomos uma reunião nacional comum para organizar uma forte e intransigente oposição:
– Enfrentar a fundo o campo majoritário do PSOL em sua adesão ao governo Lula/Alckmin,
– Independência de fato do governo: pedido comum pela entrega dos cargos ministeriais, da vice-liderança e no segundo, terceiro ou qualquer escalão do governo nacional, assim como de todos os cargos em governos da frente ampla nos estados;
– Traçar uma linha de independência de classe em cada estado e em cada cidade, por fora da frente ampla com os patrões e seus representantes.
– Pautar ações unitárias, no que for possível, contra o arcabouço fiscal nos movimentos sindical, estudantil e popular.
Defendemos o PSOL fundacional, sem patrões
Todo o debate que está colocado é o seguinte: devemos governar numa frente ampla com os patrões ou não? Nós, da CST, defendemos que os patrões e a burguesia não são nossos aliados, são nossos inimigos de classe e nossos interesses jamais poderão se conciliar com os interesses dos patrões e seus representantes. Esse é o debate central que devemos fazer. Por isso, é necessário defender de forma consequente a saída do PSOL do governo Lula-Alckmin, sem tergiversar.
Como uma das correntes fundadoras do PSOL, a CST segue defendendo que é necessário construirmos uma esquerda consequente, socialista e revolucionária, sem alianças com a burguesia e que defenda um programa anticapitalista; que lute de forma consequente nas ruas contra a extrema direita e que seja independente dos governos e patrões, para, por meio da mobilização, forjarmos um Brasil Socialista.
Textos e vídeos citados nessa carta
1 https://psol50.org.br/federacao-psol-rede-vai-lutar-por-mudancas-estruturais-em-nova-regra-fiscal-
do-governo/
2 https://www.facebook.com/psol50/videos/psol-contra-o-impeachment-e-o-ajuste-
fiscal/544573432370962/
3 https://www.cnnbrasil.com.br/politica/lula-chama-teto-de-gastos-de-estupidez-em-discurso-de-posse-
vamos-revogar/
4 https://esquerdaonline.com.br/2016/07/10/e-preciso-arrancar-alegria-ao-
futuro/?doing_wp_cron=1682443729.0300920009613037109375